No dia 21 de março de 2020 eu estava em Havana, Cuba, em uma missão do Linux Professional Institute, onde trabalhei por quase sete anos. As notícias sobre a pandemia de COVID-19 se espalhavam e claro, sem saber exatamente o que esperar desse vírus, junto com muita gente eu também estava meio apavorado. Meu colega Hernán Pachas, que na época morava no Peru, teve que interromper a viagem praticamente no dia seguinte ao que chegamos na ilha bonita, já que os aeroportos de seu país já estavam fechando. Eu ainda consegui cumprir algumas agendas até receber a notícia de que o aeroporto do Panamá, escala de meu retorno para o Brasil, também fecharia.
Minha eterna agência de viagens, a Free Turismo de Lajeado, aqui no Rio Grande do Sul, conseguiu antecipar a minha volta ao Brasil para o dia seguinte, dia 22, mas recomendou-me que eu fosse ao aeroporto logo na manhã seguinte, pois a situação de caos já se evidenciava. De fato, tudo era muito inédito e ninguém sabia lidar muito bem com essa situação.
No aeroporto de Havana, uma quantidade enorme de gente aglomerou-se rapidamente. Nos guichês de atendimento algumas pessoas já brigavam com os atendentes da Copa Airlines. Os brasileiros meio que foram se juntando em um canto e começaram a se auto-organizar. Rapidamente, as famílias com crianças ficaram cuidando das bagagens de cerca de 200 passageiros e um pequeno grupo, do qual fiz parte, juntou as passagens de todos os que estavam ali. As passagens foram separadas por horário de voo e, dentre cada um desses grupos, foram separadas aquelas de familiares viajando juntos, a de uma pessoa portadora de deficiência, depois os que já haviam feito check-in e depois todos os demais. Nosso grupo buscou algum atendente da Copa, já com essa organização feita. Dissemos que representávamos o grupo de 200 passageiros aguardando para retornar ao Brasil e que já havíamos organizado nossas prioridades para facilitar o atendimento deles.
Não sei se foi a aparência “formal” de nossa representação ou o espírito de solidariedade nesse momento de caos, mas fomos atendidos de maneira especialmente cordial, enquanto outras pessoas ainda se debatiam nos guichês. Logo estávamos no check-in onde uma atendente simpaticíssima pegava as passagens na ordem que havíamos definido, alocava os assentos e pedia que chamássemos as pessoas que viajariam para a checagem dos documentos. Encaminhadas para o embarque as famílias e a pessoa com deficiência, chegou a vez daqueles que já haviam feito o check-in antecipado, eu entre eles, e embarquei no primeiro voo para o Panamá que saiu naquele dia, o CM 372. Do Panamá parti para Porto Alegre no voo CM 821, sem ter que esperar muito tempo, já de máscara e lavando as mãos com muita frequência durante todo esse tempo.
Essa foi mais uma experiência de vida que me mostrou a capacidade de autogestão e organização de um grupo de pessoas, quando aquilo que era necessário fazer estava muito bem definido: retornar ao Brasil para enfrentar, cada um de suas casas, uma mesma pandemia.
Eu já estava acostumado ao trabalho híbrido, uma mescla do presencial com o virtual. Por outro lado, como evidencio nesse livro, assim como a maior parte dos agilistas eu defendo e reconheço que uma equipe que tenha todos os seus membros no mesmo local funciona melhor, produz mais, deixa todos mais felizes. O Ba (ver a seção 4.2.5) é atingido mais rápida e naturalmente. Naquele momento, porém, o trabalho presencial havia sido condenado e, quem pôde, ficou isolado.
Aí era o momento de descobrir como seria o daí para a frente. Em nove de abril de 2020 nos reunimos, em uma live, um grupo de amigos de áreas diversas (além da Tecnologia da Informação, gente do Design e da Música) e começamos a falar da nossa experiência, já antevendo o que viria daí em diante.
A dupla de cantores e compositores Kleiton e Kledir Ramil, meus amigos de longa data, que há pouco haviam iniciado as celebrações de seus 40 anos de carreira tiveram que interrompê-las. Além desta live fizemos algumas experiências posteriores e eles acabaram por criar muitos eventos de interação com seus fãs e mesmo shows completos, ao vivo, com e sem banda de apoio durante todo o tempo de pandemia.
A Sysvale Softgroup, representada na live pela Gilmara Castro, mandou todas as pessoas de seus times para casa e tratou de evoluir para um ambiente virtual que simulava, o mais perto possível, o real. Falei um pouco disso quando contei sobre a ferramenta Trelásio aqui no livro.
A Mônica Chiesa, na época uma neófita no mundo da tecnologia, acelerou a sua carreira já dentro da virtualidade e hoje trabalha com ferramentas e linguagens de programação de alta demanda no mercado, como React.JS e C#, mas eu sei que dá pra jogar qualquer ferramenta nas mãos dela que ela desenrola.
Meu irmão, Rodrigo, sócio da frente.cc teve oportunidades ainda maiores de expandir seu trabalho de design para fora do Brasil.
Entre os coordenadores da live, Régis Tomkiel seguiu fazendo outras sobre assuntos diversos. Mateus Roveda também ampliou seu próprio canal no Youtube onde ensina, além do sistema operacional Linux, vários aspectos de muitos softwares livres e de código aberto. O Mateus é parte do time do CRIE-TI, da Univates e tornou-se um especialista em organização de eventos virtuais e presenciais.
Ao longo do período de isolamento social convivi (virtualmente) e conversei com muitas pessoas. Essas conversas e nossa jornada conjunta de aprendizagem é o que está nessa parte do livro, que ainda inclui textos
- da minha querida amiga Laura Tonini, com quem conversei muito sobre a saúde física e mental durante esse período;
- da minha filha e parceira de projetos Aline Brod, sócia da helice.cc, que teve que migrar para o mundo virtual um complexo trabalho de apoio à formação de times, gestão e evolução de pessoas;
- do Cadu Guimarães, CEO da Sysvale, empresa que tive a honra de participar da criação de seu modelo de negócios, que teve que entender, junto com a sua equipe, como manter o desenvolvimento ágil de produtos e o fluxo da comunicação entre clientes e desenvolvedores depois da debandada para o virtual.
Os relatos nos capítulos a seguir não são recomendações definitivas. Seguimos aprendendo juntos. Eles sugerem, porém, boas recomendações muito embasadas em experiências reais.