No audiolivro The genius formula, os autores Tony Buzan e Raymond Keene contam a história de Zeus e Mnemosine, deuses da mitologia grega. As histórias da mitologia grega são uma coleção de metáforas que incitam ao aperfeiçoamento físico e intelectual, coisas que têm de andar juntas. Zeus, o rei dos deuses, era pura energia e um baita cachorrão. Comia deusas e mortais e, com elas, gerou outros deuses, deusas, semideuses e semideusas. Porém com Mnemosine, a deusa da memória, Zeus tinha uma relação muito especial. Com ela, Zeus gerou nove filhas, as musas inspiradoras da criatividade nas artes e nas ciências: Calíope (Poesia Épica); Clio (História); Érato (Poesia Romântica); Euterpe (Música); Melpômene (Tragédia); Polímnia (Hinos); Terpsícore (Dança); Tália (Comédia) e Urânia (Astronomia). Ou seja, a energia aplicada à memória gera a criatividade (Figura 9.9).
Figura 9.9 – As musas dançam com Apolo nessa gravura de Baldassarre Peruzzi (cerca de 1500). Fonte: Wikimedia
Quanto mais repertório você tiver, mais criativo será ao aplicar energia a esse repertório. A não ser que você comece a trabalhar com uma turma muito jovem, com a qual possa começar a criar algo novo a partir do zero, a maior probabilidade é que você comece a implementar métodos ágeis com equipes mistas em empresas que já usam algum tipo de metodologia e processos de trabalho e desenvolvimento – nesse caso, aproprie-se do repertório existente para, a partir dele, aprimorar o entendimento do que deve ser colocado no Product Backlog na forma de User Stories.
A obra definitiva sobre User Stories é o livro de Mike Cohn, User Stories Applied, já mencionado anteriormente. Contudo o importante é que as User Stories comuniquem de forma muito clara o que deve ser desenvolvido, dentro de tarefas que possam ser divididas em Sprints. Um Sprint Zero, em que alguns acordos sobre o formato das User Stories e o entendimento do que é considerado pronto, entregue, finalizado ou acabado são sempre saudáveis.
Agora que você já teve um tempo para pensar sobre o que poderia ser modificado no Jogo dos Tronos, como você aprimoraria as histórias do seu Product Backlog? Que formato elas teriam?
Algo que ficou completamente de fora, até agora, são as questões de como se dá a captura de peças e como um rei pode destruir o outro. Que tal a seguinte User Story para isso?
User Story | Captura de peças do adversário. |
Descrição | Peões capturam peças adversárias cercando-as em uma linha vertical, diagonal ou horizontal [peão | peça adversária | peão]. Todas as outras peças capturam as adversárias ocupando a casa em que elas se encontram. |
Testes | Role play com público interno. |
Aceitação | Demonstração funcional à equipe. |
Lembre-se dos acrônimos INVEST (Independent, Negotiable, Valuable, Estimable, Small, Testable) e SMART (Specific, Measurable, Achievable, Relevant, Time-boxed). Em uma rápida análise, o que você mudaria nessa User Story? Para mim, ela falha no S do SMART – não é específica o suficiente, já que está claro que há dois tipos possíveis de captura e ainda pode haver o cenário de fim de jogo, que é a captura do rei. Ou seja, essa User Story é um épico que pode ser subdividido em três User Stories.
User Story | Captura de peças do adversário por peões. |
Descrição | Peões capturam peças adversárias cercando-as em uma linha vertical, diagonal ou horizontal [peão | peça adversária | peão]. |
Testes | Role play com público interno. |
Aceitação | Demonstração funcional à equipe. |
User Story | Captura de peças do adversário por qualquer peça. |
Descrição | Todas as outras peças capturam as adversárias ocupando a casa em que elas se encontram. |
Testes | Role play com público interno. |
Aceitação | Demonstração funcional à equipe. |
User Story | Final de jogo. |
Descrição | O rei é capturado por qualquer peça adversária. |
Testes | Role play com público interno. |
Aceitação | Demonstração funcional à equipe. |
Agora, as User Stories precisam ser nesse formato? De forma alguma. De fato o Scrum não prescreve um formato específico para a captura de requisitos, ainda que o defendido por Mike Cohn seja o mais aceito:
Eu, no papel de [ator], desejo realizar [ação] para atingir [objetivo].
O próprio Mike sugere um formato ainda mais minimalista para elas:
Como [ator], quero atingir [objetivo].
Assim, a primeira User Story seria escrita, por exemplo, desta forma:
Como um jogador, quero capturar peças do adversário cercando-as em uma linha (horizontal, vertical ou diagonal) com dois de meus peões [peão | peça adversária | peão].
O tempo de desenvolvimento será definido pela equipe, mas deve caber dentro de um Sprint, e a aceitação e o teste estão implícitos no atendimento ao objetivo do jogador.
Em alguns casos, o uso de métodos mais clássicos, como o 5W2H usado na verificação do que deve ser contemplado em um plano de ação, facilita a formatação de uma User Story (especialmente quando a empresa já usa o 5W2H em seu planejamento estratégico e nos processos de melhoria contínua). O 5W2H vem dos termos em inglês:
- What (O quê?)
- Why (Por quê?)
- Who (Quem?)
- Where (Onde?)
- When (Quando?)
- How (Como?)
- How much (Quanto custa?)
Os dois Hs podem ficar de fora da User Story, já que o “Como?” fica ao cargo da equipe Scrum e o “Quanto custa?” dependerá da negociação do projeto com o cliente (ver o Capítulo 8, “Estimativas de tempo, esforço e investimento”). O “esqueleto” desse tipo de User Story é o seguinte:
Como <quem – meu papel> <quando – no momento em que> <onde – no lugar, dispositivo>, quero <o quê> <por quê>.
Voltando ao nosso exemplo:
Como jogador, sempre que eu quiser jogar em meu dispositivo móvel ou desktop, quero capturar peças do adversário cercando-as em uma linha (horizontal, vertical ou diagonal) com dois de meus peões [peão | peça adversária | peão] a fim de avançar em direção à vitória no jogo.
Enfim, antes de propor de que maneira as User Stories devem ser documentadas, procure saber se o seu cliente ou a equipe com a qual você trabalhará já utilizam algum método que você possa aproveitar, sem a necessidade de introduzir novos elementos. Amplie seu repertório, aplique energia nele e, depois, consulte com suas musas!