A escrita ainda é a melhor forma de comunicação de requisitos?
Quando inicio uma oficina de métodos ágeis, depois de me apresentar e pedir que os participantes se apresentem, gosto de contar a história dos métodos ágeis desde antes de assim eles serem chamados e como as suas ideias base amadureceram a partir de que Edsger Dijkstra disse que o GOTO era algo perigoso, inaugurando o que hoje chamamos “Engenharia de Software”. Cobrimos tudo o que está na Parte I desse livro nesse comecinho da oficina. Assim, saliento que o Scrum e os métodos ágeis não são “modinha”, mas algo que vem evoluindo há muito tempo.
Depois dessa introdução, entrego a cada participante uma folha de papel tamanho A4 (tendo a disponibilidade de usar folhas de várias cores, tanto melhor) e peço que, ainda sem fazer nada, apenas acompanhem a leitura desse conjunto de instruções:
- Segure o papel A4 na orientação retrato.
- Faça uma dobra no papel A4, fazendo com que a ponta esquerda, dobrada na diagonal encoste na borda direita.
- Vinque a dobra.
- Use o triângulo resultante como guia para cortar fora a parte do papel que não faz parte do triângulo, dobre essa parte sobre o retângulo e vinque-o para facilitar seu corte e efetue o corte. Despreze o retângulo recortado.
- O resultante deve ser um quadrado.
- Dobre na diagonal, formando um novo vinco. Você deve ter dois vincos em forma de cruz.
- Dobre cada uma das pontas do quadrado em direção ao centro, vincando a dobra.
- Dobre duas das bordas laterais opostas em direção ao centro, vincando, formando um retângulo.
- Dobre as bordas laterais da extremidade do retângulo em direção ao centro, formando um quadrado.
- Desdobre quase completamente, até chegar ao formato obtido no passo 6.
- Desdobre duas extremidades opostas, até chegar em um formato similar ao de um quadrado, com dois triângulos em suas extremidades.
- Complete o artefato, dobrando para o lado interno os vincos ao lado do quadrado que será o fundo do mesmo.
- Firme-os com o papel restante, dobrando-o para dentro.
Ao chegar no passo 10, brinco que estamos usando um procedimento GOTO considerado perigoso, fazendo referência ao Dijkstra (Capítulo 3). Também saliento o que quero dizer por ponta e borda do papel e o que é vincar (dobrar e marcar com a unha a dobra). A seguir, dou dez minutos para que, individualmente, cada um complete o artefato. Depois, dou mais cinco minutos para que tentem concluir o artefato em dupla. Se há alguém na oficina que já está familiarizado com origami, a chance de sucesso de completar o artefato aumenta. Caso ninguém consiga, eu demonstro como, seguindo as instruções, chego a uma caixa sem tampa (Figura 16.1).
Figura 16.1 – A caixa sem tampa
Essa dinâmica simples gera conversas muito interessantes.
É muito raro alguém perguntar qual é o artefato a ser produzido, mesmo que em nenhum momento eu diga que não se podem fazer perguntas. Muito mais raro alguém pedir que eu faça um desenho ou mostre o resultado final que eu desejo obter.
As instruções são questionadas, criticadas mas, ao mesmo tempo, ao menos uma pessoa consegue chegar ao resultado final seguindo as mesmas instruções. Será, então, que o tipo de instruções é sensível ao tipo de pessoa que as executa? Outra questão interessante é que, com as críticas, as instruções são “aprimoradas” a cada nova oficina e os problemas repetem-se nas oficinas seguintes.
Temos, então, toda uma conversa sobre como deveria ser o levantamento ideal de requisitos e se o texto ainda é a melhor representação dos mesmos, levando em conta os recursos tecnológicos que temos hoje.
Cada grupo traz insights novos a cada realização dessa oficina e quase sempre a forma de obtenção e repasse dos requisitos, como é feita pelos participantes, é bastante questionada.