por Aline Brod
A Flama.TC é uma consultoria criativa que desenha soluções para dilemas de negócios por meio de processos colaborativos, abertos, inclusivos e com mentalidade de inovação. Começamos nossa atuação no mercado em 2015 – na época, com o nome de Hélice – e a partir do trabalho que fazemos dentro das organizações, nossos clientes foram nos contando que temos muita habilidade em apoiar processos de transformação cultural, com um olhar crítico e cuidadoso para a gestão ambidestra (ou gestão por propósito) e para a socialização da estratégia.
Meu caminho se encontra com o da Flama em 2018, quando a empresa procurava por alguém que a apoiasse na organização dos projetos internos. Meu conhecimento prévio sobre métodos ágeis foi percebido como uma competência importante e, assim, iniciamos um período de teste das minhas atividades como gestora de projetos. Eu costumo brincar que a gestão de projetos foi a minha estratégia de entrada, pois não tardou muito para eu me envolver nos processos de planejamento e facilitação de grupos em clientes e, a partir daí, foi um caminho sem volta – ainda bem!
Em 2022, torno-me oficialmente sócia do Rafael Barcellos. Esse processo se consolida a partir de uma série de transformações internas (motivadas, também, pela pandemia da COVID-19) e se torna um marco para mudanças importantes: como nosso nome e posicionamento de mercado. Não sei se o TC do nosso nome despertou alguma curiosidade, mas para nós, essas letrinhas carregam o lembrete do nosso poderoso e significativo conceito-chave: transformação com cuidado. Acreditamos que só conseguimos apoiar esses processos externamente se nos permitimos ser transformados também. E se é pra transformar, que seja com cuidado.
Somos uma empresa pequena e executamos nosso trabalho a partir de conexões em rede que se dão por objetivos específicos dos projetos. Por esse motivo, meu papel na Flama.TC é amplo, perpassando o estratégico, o tático, o operacional e incluindo o controle de estoque do pó de café. Mas de todas essas coisas, o que faz o meu coração acelerar é quando eu estou com grupos, entregando tudo o que sei sobre ferramentas de conversa, a fim de sustentar espaços de trocas significativas e respeitosas para que as transformações tenham espaço para acontecer.
Antes da pandemia, a nossa experiência com o remoto se limitava às interações internas da equipe de trabalho. Durante parte do ano de 2019, adotamos o modelo de home-office e nos encontrávamos presencialmente uma vez por semana para reunião de equipe/integração. Foi um período desafiador e tivemos de nos empenhar bastante em amadurecer nossa comunicação e entender de que forma poderíamos tornar o fluxo de trabalho mais fluido e equilibrado. Ao final de 2019, resolvemos voltar ao presencial e alugamos uma nova sala comercial. Essa alegria, por motivos óbvios, não durou muito (se por acaso esse texto estiver sendo lido por alguém em algum momento da história muito longe dos anos 2020, o motivo óbvio ao qual me refiro é a pandemia de COVID-19).
Março de 2020 foi um grande plot twist. Não só porque tínhamos acabado de nos reorganizar em um espaço físico, mas porque o nosso trabalho consistia basicamente em aglomerar pessoas e colocá-las para conversar. Os encontros que promovíamos com equipes de clientes variavam entre públicos de 10 a 600 pessoas – e isso não era apenas a forma como trabalhávamos, era também o que percebíamos que gerava valor para nossos clientes. Assim como para grande parte das pessoas e de organizações, os meses que se seguiram foram de caos: contratos cancelados (ou, na melhor das hipóteses, congelados), medo, dúvida e uma parálise inicial creditada na conta do “serão 40 dias de parada, depois a gente volta”. Ledo engano.
Nesse momento, experimentamos muitas dificuldades e resistências. Nos percebemos como atores do conteúdo que líamos sobre processos de mudança e adaptação e fomos colocados à força num campo de prática. Sem poder realizar nosso trabalho em campo, nos voltamos para dentro e começamos a estudar como podíamos fazer versões virtuais de todos os serviços que prestávamos. Alerta de spoiler: não rolou!
Nos deparamos com uma série de restrições e, aqui, entendo que é importante separá-las por categorias:
- Restrições estruturais: são aquelas que relaciono às possibilidades de acesso. Por questões de segurança interna, nem todos os nossos clientes podiam acessar ferramentas de quadro branco virtual, ou ferramentas que, na época, permitiam mais recursos, como separar pessoas em pequenos grupos, por exemplo. Além disso, havia casos em que nem todas as pessoas da organização tinham acesso a computadores.
- Restrições de contexto: antes da pandemia, quando realizávamos nosso trabalho em campo, colocávamos as pessoas em um espaço e cuidávamos para que não sofressem interferências externas. Porém, como cuidar da interferência, quando, na prática, era o trabalho que estava interferindo no ambiente particular e pessoal das pessoas?
- Restrições relacionais: estado emocional das pessoas, qualidade da interação remota, perda de espaços espontâneos como o cafezinho.
Além dessas restrições, tinham todas as barreiras emocionais de cada indivíduo. Vivemos um período de muita perda e o luto se tornou uma constante generalizada, assim como o medo e a insegurança.
Passamos, então, a entender que, além de criar os espaços de conversas, precisávamos apoiar as pessoas na ampliação de repertório para lidarem com o que acontecia. Foi nesse contexto que desenvolvemos dois programas de oficinas de formação que, ainda hoje, considero fundamentais: liderança em tempos de incerteza e gestão da mudança.
Chamamos esses programas de oficinas de formação, pois eles não são espaços em que os indivíduos ficam sentados passivamente recebendo um conteúdo. Nós desenhamos todos os encontros pensando em uma mescla de momentos: conteúdo, interação, reflexão e ação. Dessa forma, cada encontro é único e, dentro dos limites estabelecidos, o grupo traz o que é importante para si, de acordo com o contexto e o momento que estão vivendo e nós os ajudamos a navegar nesse espaço. Para a nossa equipe de facilitação, eu vejo que o principal aprendizado foi o de sustentar esses espaços desconfortáveis e reconhecermos, em conjunto, que estava ruim, mas que dividindo algumas coisas, poderia ser um pouco melhor. Estabelecer essas redes colaborativas foi uma estratégia que deu muito certo e a incentivamos de todas as formas que encontramos: sugerindo que as pessoas formassem grupos menores para seguir fazendo partilhas ou que uma pessoa ficasse responsável por outra, perguntando de tempos em tempos se estava tudo bem. Ações que podem parecer bem simples, mas que naquele contexto, fortaleceram vínculos importantes.
Entendemos, também, que a flexibilidade e a compreensão se tornaram ainda mais imprescindíveis. Veja, antes da pandemia, começávamos nossos encontros incentivando as pessoas participantes a exercitarem sua presença: “deixem os celulares de lado, não tragam seus computadores”. Porém, com o passar do tempo, entendemos que a presença jamais chegaria naquele mesmo nível e precisávamos trabalhar com o possível de cada um a cada momento. Entendemos que o simples pedido para abrir a câmera poderia gerar profundos desconfortos, por quaisquer motivos que fossem. Entendemos que precisávamos nos tornar mais tolerantes às recusas de convites para a representação da presença, fosse com câmera aberta ou participação vocal. Vimos inúmeras pessoas desaparecerem no virtual e a sensação de impotência e insuficiência se fazia presente não só entre nós, mas também entre os departamentos de gestão de pessoas com os quais interagíamos.
Algo que ficou claro para mim é que os trabalhadores com menor remuneração e cargos menores apresentavam maior dificuldade de presença e eu credito grande parte disso às baixas condições em transformar suas casas em escritórios próprios para o trabalho. Nos cargos mais altos de liderança, os espaços que criamos com frequência se tornavam o bote salva-vidas e era naquele espaço que as lideranças podiam falar sobre o medo que sentiam, deixando um pouco de lado as máscaras que usavam para (tentar) manter suas equipes motivadas e engajadas.
Com o avançar dos meses e o progressivo retorno ao presencial, as interações foram se restabelecendo e os ânimos voltaram a melhorar. A cada novo encontro presencial, o fato de estarmos dividindo uma mesma sala era um motivo enorme de comemoração.
Apesar das diversas ferramentas desenvolvidas e aprimoradas ao longo dos quase 3 anos que vivemos em meio à pandemia, eu não consegui experimentar algo que fosse tão eficiente quanto o encontro presencial. Importante marcar que não sou nenhum pouco avessa às ferramentas digitais. Ainda hoje, as uso amplamente no meu dia a dia e o próprio modelo de negócios da Flama se beneficia enormemente delas. As reuniões virtuais são fundamentais para alinhamentos, negociações e todas as conversas que precisam acontecer antes de estarmos presencialmente com os grupos.
É evidente que a necessidade de distanciamento social mexeu com as nossas possibilidades e isso permanece. Ouvi muitos relatos de pessoas executivas aliviadas por manterem como prática a realização de reuniões virtuais que antes exigiam sua presença – poupando assim horas de deslocamento e investimentos financeiros substanciais. Além disso, percebo que a nossa relação com o tempo também foi muito impactada.
Se no começo da pandemia demoramos a nos reorganizar, depois entendemos que a possibilidade do virtual acelerava muitas coisas. Reforçamos a compreensão de que era possível realizar em um mesmo turno reuniões com pessoas espalhadas pelos mais diversos locais para tratar dos mais diversos temas. A minha impressão é que agora estamos vivendo um sentimento de ressaca e até mesmo negação do virtual, porém com a expectativa de que as interações sigam acontecendo na mesma velocidade – o que, por óbvio, é impossível e insustentável.
Percebo que a pandemia escancarou e acelerou alguns processos que já vivíamos e a mistura entre o espaço privado e o espaço de trabalho é uma delas: reuniões durante folgas ou férias, mensagens de trabalho fora do horário de trabalho e a sensação crescente de que ser uma pessoa competente e “engajada” no trabalho significa estar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana. Afinal de contas, se eu posso responder algo do conforto do meu lar, que mal tem? Com a pandemia, acentuou-se a necessidade de nos mostrarmos sempre disponíveis e, assim, o trabalho seguiu invadindo o descanso sem que tenhamos tanta consciência disso.
Uma das perguntas orientadoras que o Cesar me fez para pensar nesse capítulo é se o híbrido prevalece ou a tendência é voltar ao trabalho presencial com as novas ferramentas aprendidas no processo? Honestamente, não sei. O que sei é que ainda temos muito a aprender sobre trabalho remoto e, especialmente, sobre o trabalho híbrido. Acredito que há muita possibilidade na diversidade que essas modalidades de trabalho permitem. Mas também acredito que a grande maioria das organizações ainda não tem estruturas propícias para que isso ocorra de uma forma saudável para as pessoas e para as organizações. Muitas organizações ainda se pautam em um modelo de comando-controle, o que leva a necessidade de saber o que a pessoa faz no miudinho, no cotidiano, e não necessariamente sobre a entrega que ela faz. Penso que para que ambientes híbridos e remotos funcionem bem, primeiro as organizações precisam pensar em como fazer para que seus ambientes de trabalho sejam psicologicamente seguros(1) e, a partir daí, convidar as pessoas trabalhadoras para que criem em conjunto os processos que permitam outras formas de trabalho.
Quando finalmente conseguimos processar melhor o fato de que a pandemia da COVID-19 deixaria impactos de grande magnitude para o trabalho, as especulações sobre o “o que vinha pra ficar” começaram. Eu acredito – ou talvez espere – que o que fica de lição é a nossa capacidade de explorar outras possibilidades. Tivemos de fazer isso à força, operando em modo de sobrevivência. Talvez daqui pra frente possamos fazer isso de formas menos dolorosas. A verdade é que cada pessoa e cada organização viveu esse momento de um jeito e teve aprendizados diferentes. Por isso, em vez de fazer predições, prefiro fazer perguntas:
- O que funcionou para você ou para a sua organização durante a pandemia ainda funciona?
- O que deu errado segue dando errado?
- Quais foram os aprendizados desse período?
- Quais foram as potências descobertas?
Se for para pensar em ferramentas, o meu convite é para que, antes, se pense em objetivo, em possibilidade de investimento, em resultados esperados e que as escolhas sejam feitas a partir daí. Virtual e presencial são coisas diferentes e, assim sendo, oferecem possibilidades diferentes. Bom é que, pós-pandemia, temos uma liberdade de escolha um pouco maior 🙂
(1) Se quiser explorar esse assunto, sugiro o livro “A Organização Sem Medo”, da Amy Edmondson.