por Laura Tonini
Inicialmente, pessoas queridas, o conteúdo deste capítulo é permeado por minhas vivências e percepções de mundo. É desse lugar que lhes escrevo e os convido à leitura. Ler o outro requer um pouco de intimidade e disponibilidade e acredito que a leitura é também, esse canal que nos torna mais próximos. Com isso, te convido a ler essas palavras aqui escritas com suas percepções e sensações de mundo, ao longo de sua trajetória até aqui.
Um abraço, Laura Tonini
Conforme citado no início desta parte do livro, o home office é algo que existe há muito tempo, porém nunca houve demanda tão grande para esse formato de trabalho. Muitas empresas e pessoas já habituadas a ele, apenas seguiram seu fluxo, já outras, precisaram se adaptar, sem tempo de viver uma transição orgânica ou planejada.
Provavelmente, você espera encontrar aqui um texto sobre movimento, práticas esportivas, trabalhos psicológicos e algum tipo de atividade para tirar suas dores e desconfortos causados pelo trabalho em seu ambiente laboral. Mas te digo que, integrar saúde ao home office precisa ser mais do que isso.
Segundo a nova atualização do conceito de saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ela “é um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de enfermidades.” Esse novo conceito mostra uma mudança de paradigma sobre a saúde. Pensar em saúde é olhar para o todo que constitui uma pessoa.
Ou seja, a saúde está relacionada a atividades físicas e trabalhos psicológicos, e também a forma como você lida consigo, com as pessoas ao seu redor e com o mundo. Não se pode falar de saúde física e mental sem o lado social, da mesma forma que é necessário entender de que forma os três se integram e articulam nos contextos do home office.
Empresas são feitas por pessoas e são essas pessoas que hoje se veem em home office – em sobrecarga de funções e com sua saúde abalada. Vale lembrar que, esse novo formato tem sido extremamente compatível com a vida na contemporaneidade e com isso, a probabilidade de se firmar após essa era pandêmica é grande. Então, neste capítulo, atentarei-me a elas, ou a você, a nós. Vale ressaltar que, estar com a saúde física e mental abalada, em nada tem a ver com fraqueza, falta de inteligência emocional ou não ser suficientemente bom. Se vivemos em um mundo doentio e descontrolado, infelizmente seremos afetados por essa realidade. Somos seres somáticos e isso significa que tudo o que está relacionado com o mundo, inevitavelmente nos afetará. É muito importante ter consciência desses afetos e de como reagimos a eles, para então, podermos fazer algo a respeito. Explico-me melhor a seguir. Para entendermos como lidar com o home office é indispensável dois fatores:
- saber sobre o nosso dinamismo;
- lembrar de nossa humanidade.
Somos seres dinâmicos, portanto, nosso corpo está em movimento o tempo todo, a pausa é uma ilusão. Por isso, muito mais do que uma postura perfeita, precisamos de MOVIMENTO, precisamos de uma estrutura corporal dinâmica. É necessário que você escute o que seu corpo (que é você) está lhe dizendo: se ele dói, é porque está cansado de ficar em uma mesma posição; se sente sono, é porque está precisando de um pequeno repouso; se os olhos ressecam, é porque estão precisando de hidratação.
O home office trouxe uma carga maior de trabalho, além dos acúmulos das funções em casa – com a ideia de que precisamos dar conta de tudo com perfeição. Isso tirou a nossa profunda humanidade. Essa nova realidade nos deixa sob pressão – pessoas estressadas e exaustas. É importante, acima de tudo, olhar para nós com acolhimento, resgatando a ideia de que somos pessoas humanas, portanto, passíveis de erros e acertos – por vezes teremos que nos dedicar mais à casa, em outras, mais ao trabalho e outras, mais a nós – dinâmica é sempre ponderação, atenção às escolhas e acolhimento.
APROFUNDANDO
Segundo Thomas Hanna (1983), somática é “A arte e a ciência dos processos inter-relacionais entre a consciência, a função biológica e o meio-ambiente, todos os três fatores compreendidos como um todo em sinergia”. Tendo a premissa de Hanna, que muito se alinha com o conceito da OMS, gosto da ideia de que temos três inteligências que acontecem simultaneamente em nós: Inteligência biológica, inteligência mecânica e inteligência relacional, a partir de minhas experiências, descrevo assim:
- Inteligência Biológica: O Saber dos Sistemas Corporais. Nosso corpo possui diversos sistemas corporais que são responsáveis pela nossa vida biológica, pelo funcionamento dos nossos órgãos, pela renovação celular, pelos nossos sentidos, pelas respostas neurais e tantas outras funções que fazem com que sejamos um organismo vivo.
- Inteligência mecânica: O Saber do Movimento. Nosso corpo possui uma inteligência motora, a partir de uma consciência do corpo em movimento, de um histórico de movimento adquirido ao longo da vida.
- Inteligência Relacional: O Saber dos Afetos. Afetos, aqui, significa tudo aquilo que nos afeta e é afetado por nós. Portanto, as pessoas com quem nos relacionamos, os espaços que ocupamos, as tarefas que executamos e nós mesmos. É uma consciência das nossas reações, ações e da forma de nos relacionarmos e conosco, com os outros e com os espaços.
Vale ressaltar que, essas três inteligências acontecem de forma simultânea em nós, a divisão é apenas para didatizar as idéias. Integradas, elas constituem o que gosto de chamar de O Saber do Corpo. Márcia Almeida (2015) destaca o conhecimento sensível como sendo o conhecimento adquirido através do que o ser humano vivencia no cotidiano. O Saber do Corpo vem daí, de um cotidiano sentido e acima de tudo percebido. Sentir é uma coisa, saber que se sente é outra. O ato de perceber racionaliza o sentir, nos traz para o momento presente, margeia e imprime o que se sente. O corpo sabe tudo, portanto precisamos trabalhar essas três inteligências para estarmos em sintonia com ele, nós mesmos.
Dito isso, dentro da abordagem somática, não se divide mente de corpo, entende-se que o ser humano é integrado e o que está na mente reflete no corpo, assim como o que o corpo apresenta está diretamente relacionado ao que está na mente.
Exercemos mais funções ao trabalharmos remotamente, pois somos demandados por tarefas que vão além da empresa pela qual trabalhamos. Nossa casa nos demanda, nossos filhos, familiares, vizinhos e até mesmo nossa cama, nossos livros e nossa geladeira. São muitas as possibilidades de dispersão e inevitavelmente, somos absorvidos pelos espaços que habitamos.
Essas dispersões, ao longo do tempo, transformam-se em estresse, ansiedade, depressão, síndrome de Burnout, baixa produtividade, sentimento de inadequação, dores físicas, ganho ou perda de peso, baixa disposição e tantos outros.
A Organização Mundial de Saúde considera a Síndrome de Burnout uma doença e uma Síndrome Ocupacional, enquanto um fenômeno ligado ao trabalho. É caracterizada por uma exaustão provocada pelo trabalho, também conhecida como esgotamento profissional.
Então, de que forma ficamos atentos para não sermos engolidos pelo fluxo que naturalmente nos conduz? Para mim, a resposta sempre está em olhar para dentro. Um olhar devagar e generoso para nós mesmos, o Saber do Corpo que citei acima.
“Não sabemos o que se passa e isso é o que se passa”
(“No sabemos lo que pasa y eso es lo que pasa” – Ortega y Gasset)
Edgar Morin, em seu livro “A Via Para o Futuro da Humanidade” diz que existe um distanciamento entre o acontecimento e a consciência de sua significação, sendo o conhecimento, mais lento do que o imediato. Para saber o que se sente é necessário uma escuta apurada, uma percepção atenta ao presente e acredito que o condutor desse caminho é o corpo. O presente percebido em toda sua densidade e profundidade.
➣ Pare um momento essa leitura. Feche os olhos e respire! Perceba o ar da sua respiração, que sai e entra no seu corpo. Perceba também o movimento que esse ar te provoca. Depois, abra os olhos e retorne à leitura.
Percebe-se um pouco diferente agora? Esse é um exercício simples e rápido que pode ajudar a trazer sua atenção para você, no tempo presente. Para perceber os movimentos que nos acontecem, é necessário profundidade.
Considerando o que foi dito acima, Morin faz uma explanação profunda sobre o lado positivo e negativo do desenvolvimento. Afirma que o desenvolvimento oferece um modelo ocidental como arquétipo universal para o planeta em contraponto, nos propõe a sua visão onde os contextos humanos e culturais são potencialidades de diversidade e riquezas de conhecimento, e por isso, não podem mais ser ignorados. Dessa forma, para pensarmos o desenvolvimento, precisamos valorizar menos o modelo e mais o contexto e as pessoas.
Muitos, senão todos nós, somos especialistas em algum ponto ou área, certo? Mas, somos especialistas em nós? Você sabe como reage a determinadas situações do seu cotidiano? Sabe como seu corpo se comporta no momento de estresse? Sabe o que pode fazer para aliviar um desconforto físico ou como se concentrar melhor para uma demanda urgente? Percebe se as escolhas que faz cotidianamente são respeitosas e cuidadosas contigo e com as pessoas que estão ao seu redor? São coerentes com o que acreditam?
Saber responder essas perguntas trará para você a presença necessária para a transformação da sua saúde física e mental, uma saúde integrada.
Considero importante olhar o macro para podermos perceber o micro, portanto, se queremos olhar para o indivíduo, precisamos olhar para a sociedade. Se empresas são feitas por pessoas, a sociedade é feita por empresas, que são feitas por pessoas. Conforme bem escrito no Manifesto Ágil: “Indivíduos e suas interações são mais importantes que processos e ferramentas.” E ainda que processos e ferramentas nos ajudem a encontrar caminhos e possibilidades, são muitos os pensamentos que nos levam para um mesmo lugar: pessoas e suas relações.
“A gigantesca crise planetária é a crise da humanidade que não consegue atingir o estado de humanidade.”
(Edgar Morin)
Desenvolver o indivíduo sob o olhar singular e contextual é desenvolver uma sociedade mais humanizada e coerente, respeitando suas pluralidades. Ainda sobre Morin, ele aponta alguns caminhos (vias) para a construção de um novo mundo e elabora quatro, do que ele chama de orientação
- mundialização/desmundialização;
- crescimento/decrescimento;
- desenvolvimento/envolvimento;
- conservação/transformação.
Para essa orientação em específico, ele questiona o desenvolvimento apenas com o foco em bens materiais, eficácia, rentabilidade, daquilo que é calculável. E nos convida a reproblematizar o tema olhando também para o retorno de cada um de nós às nossas necessidades interiores, o estímulo das aptidões de compreender o outro que nos é próximo e distante, o retorno ao tempo longo de nosso ritmo interior.
Também nessa orientação, ele fala sobre o envolvimento como sendo a inserção em nossa cultura, comunidades e a prioridade pela poética do viver. Assim, o desenvolvimento favorece o individualismo, sentir, olhar e cuidar e o envolvimento favorece a comunidade, nossa construção de sentidos e o viver com a consciência de nossos valores e singularidades enquanto povo. Dessa forma, a orientação desenvolvimento/envolvimento busca associar autonomia e comunidade. É sobre mim, sobre você e o que podemos construir juntos.
E é nesse ponto que entramos, então, mais a fundo, sobre saúde física e mental no home office. Gostaria de ressaltar que falar sobre a saúde física e mental no home office em nada muda falar sobre saúde física e mental em qualquer outro contexto. Porém, conforme dito no início deste capítulo, trabalhar remotamente nos implica em sermos demandados para além de nossa empresa. Portanto, algumas especificidades virão ao final.
Somos seres somáticos e isso indica que mente e corpo são nada mais que nós mesmos. Dessa forma, integradas às três inteligências que foram expostas aqui, a saúde física e mental, atrelada à a social, é a forma como experienciamos nós e o mundo.
Socialmente, construímos narrativas do excesso: de informação; de demandas; de urgências; de funções; de desejos. Vivemos em um estado que chamo de “estado emergencial”. Aquele das infinitas demandas, dos tempos atropelados, dos muitos conteúdos para absorver em pouquíssimo tempo, da entrega do trabalho que ficou atrasada por conta de um outro trabalho, da saudade…
O “estado emergencial” por si, não é ruim, mas é importante saber que ele existe e que vivemos nele. A vida em sociedade também pede isso e não precisamos ir contra, está tudo bem. Porém, estar sempre focado no futuro e no tempo super acelerado das coisas para que consigamos aquilo que ainda não temos, faz com que não vejamos tudo o que já está aqui. Isso traz desequilíbrio e não experienciamos outros estados possíveis de se viver. Estados dilatados, estados dançados, estados poéticos. A beleza está no equilíbrio entre o demasiado e o sutil.
Existem três “As” importantes para pensarmos nossa saúde integrada: autonomia, autoconhecimento e autocuidado. Esses pilares mostram, que o princípio da ação parte de nós e é necessário uma pré disposição e disciplina para acessar e manter os novos hábitos integrativos, principalmente quando falamos de home office.
Um ponto que gostaria de ressaltar, brevemente é: autonomia não é sobre estar ou fazer sozinho, podemos ter autonomia em coletivo, ou até mesmo buscar suportes para ações mais autônomas.
Dito isso, transformar nossa realidade trabalhando de casa, significa reeducação de hábitos. Precisamos entender se estamos dispostos a isso e principalmente, se essa mudança faz sentido para nós. Isso porque, muitas vezes tentamos mudar hábitos sem refletir sobre eles e nos frustramos no caminho, por estarmos mais preocupados com o modelo a seguir do que com o sentido real daquilo para nós.
Portanto, humanize-se. Sim, comece a perceber que grandes mudanças são simples. Temos uma mania mundana de achar que somente o complexo é transformador e efetivo. Por vezes sim, mas isso não é uma verdade absoluta, o simples é potente, porque é nele que você se vê.
➣ Mais uma vez te proponho um exercício. Vá até o espelho mais próximo, dedique alguns minutos para se olhar. O que você vê nesse reflexo? Tente sair das amarras estéticas e sociais e busque a sua narrativa sobre o que vê, aquela que vem carregada de tudo o que você é até aqui. Quais histórias esse reflexo te conta? Do que você se orgulha? O que é necessário movimentar? O que você gosta? Depois, anote em um caderno e sinta seu dia a partir de agora. Te encontro aqui amanhã!
Espero que tenha conseguido dedicar um tempo ao exercício e acima de tudo, um tempo de processamento dele. Autoconhecimento e autocuidado pedem um tempo mais dilatado e é a nossa interação com a gente, nossa escuta, diálogos internos, respeito e aceitação. Sua anotação de ontem é um caminho que nos guiará até os hábitos que precisam ser reeducados, te levando para uma saúde mais equilibrada e coerente contigo.
Nas próximas linhas, atentarei-me de forma sucinta, nas três inteligências mencionadas, com o escopo do tema deste capítulo. O objetivo é trazer exemplos e reflexões simples sobre o que fazer com o home office. Portanto, é importante registrar que o conteúdo referente a cada “inteligência” extrapola o que será abordado aqui.